O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) traz muitas dúvidas sobre o futuro, mas traz uma certeza: é certo que estamos vivendo uma crise climática, e nós somos os culpados.
Somos os culpados por aquecer o oceano nos últimos 50 anos, e igualmente responsáveis pela sua acidificação. Somos os culpados pelos eventos de calor extremos que foram observados na última década e que causaram tantos estragos. E no futuro, quando o Ártico ficar sem gelo marinho no pico do verão, seremos também os culpados.
Essas são apenas algumas das conclusões científicas que o relatório nos traz. É importante citar que o relatório apresenta um nível de confiança muito grande dentro da comunidade científica. É feito e revisado por centenas de cientistas de todo o mundo, e também prefere o conservadorismo no lugar do alarmismo em suas afirmações. Se o relatório aponta para o desastre, devemos nos preparar para a calamidade generalizada.
Devemos refletir politica e socialmente a respeito dos números que o relatório nos trazem. Mais importante do que saber que o planeta aqueceu 1.1ºC, convém saber quais serão as implicações da continuidade desses efeitos climáticos na nossa vida prática. Sabemos que a médio e longo prazo, a crise climática nos levará para um Planeta Terra onde as condições de vida humana são muito diferentes das que hoje conhecemos – mas se queremos combater essas mudanças, precisamos de um grande esforço conjunto das instituições democráticas, o que inclui a sociedade civil.
Esse esforço não será alcançado sem uma mudança drástica na forma como falamos sobre a crise climática. Ao invés do futuro distante, precisamos falar do presente. Ao invés de números estatísticos, devemos falar sobre a comida que está na mesa das pessoas. Mais do que nunca, a narrativa sobre as mudanças climáticas precisam descer do pedestal do elitismo científico e ir para a boca da população comum, e para isso precisamos alertar sobre o que já está a acontecer, aqui na Europa, e em todo o mundo.
Madagascar é um país insular na costa da África, com pouco mais do que o dobro da população portuguesa. Hoje, 1.14 milhões de pessoas no país estão em situação de insegurança alimentar – por causa das alterações climáticas. Mafagascar é hoje o primeiro país a sofrer de fome extrema como consequência da crise climática. Devido às secas, gafanhotos, cactus e barro passaram a ser comida para milhares de habitantes do país. O relatório do IPCC nos mostra que o que hoje é Madagascar, amanhã pode ser nós.
Da fome extrema à crise de refugiados – a crise climática é causada pela irresponsabilidade e ganância humana, mas seus efeitos não penalizam os culpados, nem se reduzem ao clima. As frequentes ondas de calor extremo, acidificação das águas, secura dos solos, proporcionarão um efeito de migração em massa quando mais aldeias, cidades e países apresentarem condições inóspitas para a vida humana. Em Abril, o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados divulgou dados que mostram que o número de refugiados climáticos cresceu para mais de 21.5 milhões de pessoas desde 2010.
É extremamente complexa a resolução da crise climática, e será impossível de resolver sem uma franca conversa e contribuição entre a comunidade científica, as instituições governamentais, as grandes empresas e a sociedade civil, com a colaboração da comunicação social. Mais do que nunca, o debate climático deve ser trazido para os círculos de discussões em todas as esferas. E ao movimento climático cabe a responsabilidade de democratizar e espelhar essa mensagem. Não existem milagres, heróis ou radicalismos que possam resolver o problema. A solução é o esforço mútuo.
No dia 24 de Setembro, o Fridays for Future dará mais um passo rumo ao encontro com a sociedade civil. Convocamos todas as pessoas a irem para as ruas conosco para um grande ato cívico que pedirá ações mais efetivas contra a crise climática. Precisamos marchar hoje, para não termos que nadar amanhã.
Abel Rodrigues
Artigo originalmente publicado no Jornal Português Público.