Atualidade & Opinião

Porquê falar de clima no Dia do Trabalhador?

Até há pouco tempo, a ideia predominante na mentalidade popular era a de uma divisão primordial entre a luta laboral e a luta ambientalista. De facto, historicamente, elas têm-nos sido apresentadas como antagónicas, por um lado, a defesa do crescimento económico e de mais e melhor emprego, por outro, a defesa do meio ambiente, através de cortes e privações, mas recentemente uma nova narrativa tem vindo a impor o seu espaço no debate público.

No final da última década, com o agravamento cada vez mais acelerado da degradação das condições climatéricas e a incapaz resposta das instituições face ao aumento contínuo das emissões de gases com efeito de estufa, surgiu um novo movimento social, o movimento por justiça climática. 

Por todo o mundo começaram a estalar greves climáticas cujas reivindicações ultrapassam em muito o embuste narrativo que omite por completo o papel dos sistemas produtivos e distributivos na trajetória catastrófica que temos vindo a traçar.

Este novo discurso não visa uma consciencialização generalizada das populações e consequente (e muitíssimo gradual) alteração de certos comportamentos individuais, reivindica, pelo contrário, mudanças estruturais, compreendendo a urgência de uma transição energética articulada, sustentável e justa.

A ciência é clara, de modo a manter o aquecimento global abaixo da barreira de segurança de 1.5ºC até 2100 temos de cortar, globalmente e em relação aos níveis de 2010, 50% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Quando 100 empresas representam 71% das emissões totais, é objectivamente fantasioso afirmar que estes cortes serão possíveis através de sacrifícios e mudanças de hábitos pessoais.

A transição, se queremos que seja eficaz, tem de passar obrigatoriamente por uma alteração profunda da própria maneira como nos organizamos enquanto sociedade, pelo desmantelamento da indústria fóssil e por um plano sério e concreto que ofereça alternativas viáveis e responda às necessidades reais das pessoas.

Com efeito, a esmagadora maioria dos postos de trabalho nas indústrias que dependem directamente dos combustíveis fósseis serão descontinuados, não obstante, será preciso criar, à escala portuguesa, milhares de novos empregos, tanto na área das energias renováveis como, por exemplo, dos transportes públicos, da requalificação do parque edificado, entre tantas outras.

É indispensável que seja dada prioridade no acesso a estes novos empregos àqueles cujos postos de trabalho forem eliminados e que a recolocação dos trabalhadores seja precedida por um processo de requalificação e formação profissional.

A ser realizada da forma em que é de facto socialmente necessária, diga-se, nunca como um simples processo aritmético, mas como uma questão de justiça, assegurando condições dignas para todas as pessoas, esta transição torna-se numa resposta, não só à crise climática, mas à crise de precariedade e desemprego, que se têm vindo, e continuarão de forma cada vez mais acentuada, a exacerbar devido às repercussões sócio-económicas da pandemia do covid-19.

Não nos equivoquemos, a transição energética é inevitável, dê-se agora, enquanto ainda dispomos de tempo para impedir o colapso climático, ou daqui a 10 anos, numa tentativa frustrada de remediar uma realidade irremediável. A grande questão em aberto é em que moldes é que este processo se vai desenrolar.

Perante uma experiência histórica clara da acção por parte das estruturas institucionais e das respectivas motivações, como é aliás disso exemplo o recente caso de Sines, retira-se que tem de ser a própria sociedade civil quem garante que a transição se dará dentro dos prazos determinados pela ciência e num quadro claro de justiça.

A luta laboral e a luta climática têm, hoje mais que nunca, de se unir na construção e fortalecimento de uma relação de cooperação e articulação entre os dois movimentos, partindo de uma análise interseccional da realidade que se materialize em organização e mobilização colectiva. Só esta convergência possibilitará a concretização de uma transição energética que ponha um travão ao colapso climático e à violência mercantilista. 

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